quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Conflito metálico


A confusão estava pronta. Barulheira descomunal na cozinha. Há anos a discussão se estendia naquela casa. Os vizinhos já não entendiam tamanha desavença sobre os cômodos do casebre. Clock, o líder da oposição, com seu tamanho monstruoso e metálico inoxidável, iniciou a contenda:
 - Há tempos nós, irmãos metálicos, estamos sendo alvo de chacota e descaso pela comunidade gastronômica, pois certo cidadão dos talheres zombou descaradamente de nossa competência, desqualificou nosso trabalho e esforço perante os humanos. Declaro aberta guerra para com a comunidade dos talheres.
Cerca de cem metros do motim “panelado”, um grupo razoável de talheres, reunidos em torno de Tramontina, líder fino e afiado em suas ações e palavras, começou seu discurso primordial:
- Irmãos talheres, desde a idade dos metais, nossos ancestrais têm recebido ofensas graves daqueles ogros “paneleiros”. Nós temos o dever de lutar por nossos direitos perante a comunidade metálica. Com isso, declaro aberta a revolução talhada em benefício e retratação pública do descaso passado.
Ambos os lados preparam seus exércitos para o declarado dia M, de Metalicação. Clock, reforçado em sua armadura inoxidável, encorajava os mais jovens com palavras positivas. Tramontina afiava os corações dos talheres com idéias fortes. Consenso entre talheres e panelas estava longe de ser alcançado. As ofensas de ambas as partes se referiam ao uso dos humanos; qual dos dois, talheres ou panelas, era essencial e indisponível no preparo da comida?
O dia da Metalicação se aproximava rapidamente. Quando no raiar do terceiro dia, talheres e panelas se concentravam no campo de batalha, um sujeito meio bruxo se pôs no meio da cozinha, freando a marcha dos exércitos. Com voz de profeta disse a multidão:
- Talheres e panelas, não iniciem essa guerra. A retaliação não é necessária. Houve sim, um mal entendido no passado, mas seus ancestrais já pagaram pela desavença. Saibam que ambos se complementam no preparo da comida, os talheres servindo no corte dos alimentos, já as panelas para coser os alimentos, tornando mais agradável e comestível. Ambos servem para o sustento dos seres humanos. Peço que deixem o ideal de guerra e construam a paz entre vocês, pois hoje, raiou o sol da esperança de um novo tempo.
Panelas e talheres comovidos pela Tábua, o estranho sujeito de carvalho, bruxo de madeira, deixaram o campo e retornaram para seus afazeres cotidianos. Clock e Tramontina, em parceria coordenavam os preparos na cozinha de modo pacífico. Assim, os vizinhos perceberam a calmaria naquele casebre. A paz e o silêncio reinaram sobre ele.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O velho calção

“O velho calção de banho, um dia para vadiar, um mar que não tem tamanho...” Ao ouvir esse trecho, Vinicius, conhecido desde a infância por Vininha (sua mãe era fã incondicional de Tom Jobim e Vinicius de Morais), lembrou-se do velho calção. Uma peça rara, única quando fora comprada, um calção de banho amarelo e branco. O calção não era muito curto, nem muito comprido, parecia largo em suas medidas.
Ao vestir a primeira vez, Vininha sentir um calafrio, parecia algo de outro tempo, o calção lhe conferia um status superior, outra visão de mundo. Saiu para a praia, como de costume, às sete da manhã para seu exercício matinal, apesar de ser domingo. A praia deserta, a princípio, começou a ser povoada pelos turistas e pessoas da região.
Cansado pelo quilômetro percorrido, o rapaz resolveu tomar uma água de coco no quiosque. “Estranho” pensou Vininha. Parecia que todos os olhares estavam sobre ele. “O que aconteceu? Será que meu calção está furado?” Assombrado por diversos questionamentos, ele desconhecia o motivo de ter atraído todas as atenções.
Uma senhora, próxima da mesa do garoto, pensou, “olha que safadeza, que indecência esse calção de banho”. Duas moças trocavam olhares e davam risinhos para Vininha e alguns jovens, da mesa ao lado, comentaram:
- O rapaz está abalando os corações das garotas, que cafona o seu calção...
Após vintes anos, o calção de banho, fora da moda, ainda despertava suspiros e comentários na redondeza. Vininha, já casado, ao acordar naquela segunda sentiu um arrepio pelo corpo. Matilde, sua esposa, sempre fora solícita e apreensiva, companheira e fiel nas decisões do esposo.
Um descuido, a campainha toca. Matilde assusta-se com o barulho e queima levemente o calção de banho, quando passava roupa. Como contar a tragédia ao marido?
O esposo ao voltar do serviço teve uma surpresa, sua esposa fez macarronada a bolonhesa, seu prato preferido. Quando na frente da televisão, Matilde, com coragem, inicia a conversa derradeira:
- Vininha, meu anjo, tenho uma notícia para te contar.
- Pode dizer.
- Hoje aconteceu um desastre, mas ninguém saiu ferido.
O marido olha preocupado para a esposa:
- Você sofreu algum acidente?
- Não! Mas o seu calção de banho...
Antes que terminasse a frase, Vininha, com uma angústia no peito, desata a chorar. Matilde tentou acalmá-lo:
- Calma, meu amor. Haverá outros, foi só uma “queimadinha” de leve...
- Queimadinha de leve? Não foi o seu calção... Vou para o quarto, preciso pensar.
Desiludido com o fato, Vininha desatou a soluçar sobre o resto do calção. Fora tempos bons, em sua juventude, ao usar aquele calção, verdadeiro presente dos deuses. Desde suas aventuras até aquele momento, seu calção de banho esteve presente, como um companheiro fiel ao seu lado. Matilde pôs fim num caso de amor entre o homem e seu calção de banho. A partir daquele dia, inconformado com a perda, ele pensou em divórcio, mas resolveu perdoar a traição da sua esposa.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Dia da padroeira

Posto uma homenagem lida pela locutor da rádio, Lair Braga, na presença de padre Otto Dana, durante o tríduo, terça- feira (11/10/11) na Capela N. Sra Aparecida, na rua Prudente de Morais, centro, Piracicaba.


Santa Mãe Maria, nessa travessia,
Cubra-nos teu manto cor de anil.
Guarda nossa vida, Mãe Aparecida!
Santa padroeira do Brasil.
Ave, Maria! Ave, Maria. (bis)

No final da tarde, ouviam-se vozes delicadas e femininas a entoar tal hino sobre um pequeno casebre, próximo da fábrica Boyes. Dona Jaci Ferraz, fundadora do pequeno centro operário N. Sra Aparecida, juntamente com outras senhoras do bairro, encorajavam as moças mais jovem na religião e ensinavam alguns ofícios domésticos. Por volta de 25 de maio de 1941, o então prefeito da época, Dr. José Vizioli, doou um pequeno terreno para o Centro Operário sobre as responsabilidades do Mons. Manuel Francisco Rosa, cura da Catedral de Santo Antônio.
Mulheres da região com seus maridos operários e suas crianças assistiam, sob o sol da manhã, o lançamento da primeira pedra na Capela Nossa Senhora Aparecida, sinal de um novo tempo naquela comunidade. Com o trabalho árduo dos operários locais, aos domingos e feriados, e os esforços das mulheres para angariar donativos para construção, aos 14 dias do mês de dezembro de 1941, a “igrejinha” estava quase pronta.
 No bairro havia festa, onde um grupo de pessoas se reuniu sobre a fachada da Capela, acolhidas sobre o Manto de Nossa Senhora, para celebrar a 1ª missa com direito até de primeira comunhão de algumas crianças. Com doações, festas e a reza do povo humilde e simples da região, a casa de Nossa Senhora estava sendo equipada em sua estrutura, para acolher aos domingos seus fiéis e devotos. Do entusiasmo das procissões, dos terços rezados, das orientações dos padres, a comunidade local caminhava sobre o olhar e proteção atenta da Virgem Mãe Aparecida.
A partir de 1969, em plena ditadura militar, no pós – concílio, um jovem padre assume os trabalhos da igreja local. Com determinação e criatividade, padre Otto Dana, auxiliado por equipes da comunidade, amplia e reforma a capela. Em conjunto com o novo pároco, as coordenadoras nas novenas de natal animam os trabalhos nos quarteirões em torno da capela. Em 1978, um clube de senhoras, intituladas “Colméia do Amor”, reassume o ideal filantrópico de auxílio aos mais necessitados. Com prendas e rendas engajam-se na construção do salão comunitário.
Após alguns anos, a capela sempre mais fora freqüentada em suas missas festivas, com empenho litúrgico e motivação do padre Otto. Maria, mãe dos discípulos, abençoava continuamente as pastorais, os ministros da eucaristia no cuidado aos doentes e os fiéis durante as celebrações. Outros padres e seminaristas passaram pela “capelinha”, na cidade onde “peixe pára”, Piracicaba, entretanto alguns serão sempre lembrados nos corações dos fiéis. Que nesses 70 anos de criação da Capela, oh Maria Santíssima, Mãe celestial, fortaleça sempre mais a nossa comunidade, para que possamos louvar-vos, amar-vos e dar-vos graças por toda a eternidade. Amém.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Fragmento de memória


"Fala-se hoje muito em liberdade individual, mas no entanto aquilo que domina, não é o ser humano, o indivíduo em geral; é o indivíduo privilegiado pela sua posição social, é a posição; é a classe."

Bakunin

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O ateu crente

Pobre diabo, acometido na cama há dois anos devido a um derrame, Seo Júlio recebera a visita de um compadre da época de infância. Quando jovem, o visitante era declaradamente ateu, não possuía religião, apesar de ter recebido formação católica, juntamente com seus irmãos. Na idade adulta, Marx, o compadre em questão, sempre fora libertino e abusado em suas extravagâncias, vivia em tabernas e bares da pequena cidadela de Moscou Vila da Pedra. Marx andava com meretrizes e dizia que Deus fora uma piada, contada durante séculos para adestrar a humanidade. Para ele, a religião era o ópio do povo.
Passados alguns anos, Marx envelhecera a passos largos. Não casara ou tivera filhos, permanecera solitário até o fim da vida, mas compartilhava de uma amizade forte com Seo Júlio, vizinho e compadre de roça na infância. Após os dezoito anos, Marx fora enviado por seus pais para estudar direito na metrópole. Concluído o curso, viera novamente advogar na região de sua terra natal. Quando o assunto era religião, Marx lançava-se, com unhas e dentes, numa discussão tremenda, sendo contra a temática. Seo Júlio, homem simples e humilde, não tivera os estudos do amigo, porém evitava discorrer sobre religião.
Em meados de 1950, dois anos após o derrame, Marx estava no leito junto ao compadre Júlio. “Que lástima, como o compadre está envelhecido!” pensou o ateu. No quarto, Seo Júlio já não falava devido à doença, Marx contava sobre os fatos de sua vida. Após alguns minutos, Marx percebeu que seu compadre havia falecido. Num ato espontâneo, brotado de uma amizade profunda, Marx ajoelhou - se ao lado do defunto e rezou uma ave-maria e um pai-nosso pela alma do amigo. Até mesmo os ateus convictos se sensibilizam em determinados momentos da vida.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A chave

Andava de um lado para outro, apressado. Olhava por todos os cantos, em cima da mesa não estava também, na cômoda menos ainda. Onde fora parar? Tão pequena e valiosa, sempre permanecera junto a um pingente de sua amada avó. Fazia frio. Meio encolhido no céu, o sol tardava a brilhar forte e impetuoso, em contrapartida os ventos arrastavam qualquer lembrança do passado.
Inquieto com o sumiço, o medo assolou sua alma. “Será que souberam de sua existência e roubaram – na de mim?” Pensou Seo Pedro, um velho maquinista, aposentado. Sempre perambulava pelas praças do Planalto, recato município no interior de Goiânia. Seo Pedro viu o país crescer ao seu redor. Surpreendido com a visita de Getúlio, um político de renome nas redondezas do Planalto, Seo Pedro fora presenteado. Getúlio entregou um pequeno agrado para o simples maquinista. Desde a juventude, Seo Pedro guarda a santa relíquia. Devoção ou cuidado sempre fora prestado ao presente.
Com um suspiro de emoção, o maquinista percebeu o brilho fosco dela, em cima da pia. Apanhou a chave, agrado do presidente Getúlio para o Seo Pedro com os seguintes dizeres: “Tu és Pedro, dou –lhe a chave do progresso”. Progresso ou não, o maquinista sempre trouxe a chave como amuleto em sua vida.

sábado, 10 de setembro de 2011

Bonecos falantes

Lá vinha ele, Elias Rocha ou Elias “dos bonecos”, cavalgando como um cavaleiro sobre sua carroça, curvado pelo tempo e pela idade. Sempre perambulava a orla do rio Piracicaba, à procura de restos de madeira, garrafas plásticas e materiais para suas criações. Jeito humilde e de família simples, Elias vivia em meio à modernidade local da Rua do Porto.
Em meados de junho, na antiga Freguesia de Santo Antonio de Piracicaba, à margem esquerda do rio, a Festa do Divino animava os moradores locais com congada, cururu e barraquinhas.  Elias fora convocado pela Irmandade do Divino para uma missão especial; o capelão da festa, Monsenhor Jorge, pediu para o bonequeiro uma encomenda especial:
- Elias, a Santa Madre Igreja, considerando suas criações e belezas com que encanta o rio Piracicaba, pede que vossa senhoria embeleze a festa do divino com alguns de seus bonecos. – disse Monsenhor.
Impossibilitado por uma doença nas cordas vocais, Elias concordou com um manejo de cabeça. Lá foi Elias, ajudando o rio e reaproveitando o lixo existente no local.
Os preparativos para o Divino Espírito ganhavam corpo, os moradores da Rua do Porto contribuíam com doações, o barracão já enfeitado para o Tríduo, o palco do cururu posto em frente à capela e o barco ancorado na rampa. Com isso, Elias trabalhava em cinco bonecos, guardiões do Divino, com tanta destreza e paixão, próprios do artista.
No último dia do Tríduo, celebrado na pequena capela, o bonequeiro terminou suas criações. A entrega da encomenda ao capelão seria na manhã seguinte, no sábado. Exausto pelo trabalho, Elias fora dormir.
Na manhã seguinte, quando acordou, o bonequeiro se deparou com um falatório em seu quintal. Mas quem poderia ser? Só os bonecos do Divino estavam presentes. Isso era impossível. Assustado, Elias olhou pelo buraco da porta da cozinha, com grande espanto percebeu que os bonecos estavam sentados, conversando. “Estou ficando louco”, pensou Elias.
Intrigado, Elias saiu à procura de ajuda, pois precisava entregar a encomenda falante! Seu Bartolomeu, o vizinho de Elias, estava sentado à porta fumando cachimbo de corda.
- Bom dia, Elias. Porque tá assustado homem?
Elias, com gestos, tentou explicar para Seu Bartolomeu. Após um tremendo esforço, desistiu. Bartolomeu, vendo a agonia de Elias, decidiu acompanhar o bonequeiro até a casa. Elias, ao entrar, sentiu um silêncio profundo, espiou pelo buraco da porta da cozinha. Os bonecos do Divino permaneciam em pé, onde no dia anterior havia deixado. Será que foi um sonho ou obra do Espírito Santo?
Naquele ano, a festa comoveu a todos os participantes, mas Elias permaneceu reflexivo, pois não é todo dia que seus bonecos falam. Assim, Elias continuou a embelezar as margens do Piracicaba com seus guardiões pescadores.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Evangelho

Andava rápido pelas ruas, atravessando as vielas com alguns trechos cobertos por vestes ao vento. As galinhas ciscavam no quintal, ao som do lamento triste de algumas mulheres. O sol castigava a região seca, onde os muros da cidade ao longe lhe davam considerada proteção contra as ameaças externas. Jerusalém, cidade de nossos pais, Abraão, Isaac e Jacó, há poucos dias, fora palco de umas das mais sangrentas crucificações sob o domínio romano. As autoridades dos judeus incitaram o governante local, Pôncio Pilatos, a executar impiamente o profeta Jesus de Nazaré.
Acometidos pelo medo de uma intervenção romana, os discípulos do Nazareno estavam reunidos em uma casa, com portas e janelas fechadas. De repente, um jovem adentra o local, com a face exausta e preocupada. Ao redor de uma mesa, senta-se o jovem, perto de dois anciãos que recordavam os últimos eventos. O cheiro adocicado de ervas, misturadas ao carneiro assado, despertava os discípulos. Na cozinha, Maria Madalena preparava as refeições, auxiliada por Marta e Maria, sua irmã. A vinda do senhor tardava, mas a esperança sempre se renovava a cada partilha do pão.
- Notícias, João? – perguntou um senhor, de meia idade, com poucos cabelos na fronte e barba grisalha.
 - O sinédrio está em guerra, insatisfeitos com nossa presença em Jerusalém, Pedro. Os romanos intensificaram as buscas. Precisamos anunciar Kristos na região.
- Tenhamos calma e cautela. Jerusalém, ainda precisa do nosso testemunho – responde o patriarca.
- “Ide e anuncia a Boa Nova a todos os povos” – recordou João – Lembre Pedro, Kristos deixou este legado. Anunciar sua palavra a todos; semear a boa nova no canteiro do mundo.
Com testemunho e coragem, a comunidade nascente reunida na partilha do pão sempre mais avançava no anúncio de Kristos. Para os discípulos, o medo fora superado e purificado pela crença, Kristos vive; após séculos, suas palavras são ações para os menos favorecidos.

sábado, 13 de agosto de 2011

Questões da enfermagem

Olhe, enfermagem é doação, cuidado e assistência ao ser humano na doença em busca de recuperação. Num primeiro momento, a frase acima denota um discurso belo. Na prática, a realidade de assistência é vista sobre outra ótica. Basta recordar algumas reportagens exibidas pelos meios de comunicação, com a superlotação de pronto-socorros, ausência de profissionais e equipamentos inadequados, em que o indivíduo é posto à margem no atendimento, silenciado através de censura pelas autoridades locais.
Enfermagem é ponte de cuidados, onde um ser humano assiste o outro em suas fragilidades. Contudo, frágeis e delicados são alguns dos profissionais da saúde que mergulhados num ambiente caótico, sobrevivem com baixos salários, estressados por campainhas intermitentes e impossibilitados em suas atitudes por decisões empresariais. Enfermagem é trabalho coletivo entre diversos saberes. Selva de pedra dos cuidados, isto sim, onde o paciente é fragmentado para estudo da fisioterapia, enfermagem, nutrição e medicina, sem reconhecê-lo como sujeito dotado de vontade, razão e liberdade na escolha de tratamento.
Nas relações de enfermagem existe uma articulação de ações para o bem comum, entretanto há conflitos e disputas que envolvem questões de autonomia e poder de agentes. O atendimento com excelência depende das tarefas e deveres da própria função, do clima das relações entre direção e empregados, do salário, dos benefícios sociais e principalmente das políticas da empresa e do tipo de supervisão recebida. O profissional da saúde de grau técnico, maioria no país, precisa se organizar em associações na luta pelos seus direitos, em que patrão não sustente chapa sindical. Assim, trabalhos em turnos, cobrança e abuso de chefias condicionam o profissional da saúde a uma jaula, na qual o cliente/paciente é devorado durante o tratamento prestado. Diante disso, a gestão de saúde precisa cultivar o diálogo e o respeito entre as equipes, para que seja reconhecido o valor do profissional, onde o mesmo não seja somente uma peça de reposição de setores.

Texto publicado na seção Carta do Leitor do JP no dia 12/08/11.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Banha, barriga e bunda

A conversa ia longe. Petiscos, samba de roda e uma algazarra tremenda no barzinho. Quatro amigos, chope e filosofia das mais chinfrins.
- Bunda sim, como não? Toda mulher precisa ter bunda sim e grande, de preferência – disse Lírio, um belo marmanjo acomodado ainda na casa da mãe.
- Bunda?! Imagina Lírio, apenas um pequeno detalhe na criação – disse Cássio, divorciado três vezes, ainda na pista à procura do grande amor da vida.
- Detalhe essencial, o glúteo ou a bunda para os mais íntimos, serve para assento e sustento dos sonhos alheios – completou Rapaga. Luiz Carlos Rapaga, sargento aposentado a beira dos bares e de um ataque de nervos.
- Não – sentenciou Henrique, pai ausente de três filhos, preso duas vezes por não pegar as pensões – Barriga, isto sim, um delírio para os homens.
- Barriga?! – espantaram os outros três.
- Barriga, fascínio para todos os gostos, tanquinho ou mesmo com alguns pneuzinhos. Barriga de modelo é piegas, das atletas é meio durinha, mas das dançarinas do ventre é uma loucura, até me embriaga de tantos movimentos – completou Henrique.
Mesa farta, alguns cascos de cerveja vazios, frituras e samba a solto. Consenso no quesito mulher estava longe de terminar, até que Cássio, meio pensativo lascou uma reflexão significativa:
- Banha, esta sim é o que os homens gostam.
- Banha, só se for para cozinhar ou para “curtir” a carne – ridicularizou Rapaga.
- Olhe pessoal, de certa forma, Cássio está correto. Banha tanto na barriga como na bunda são momentos onde nós temos aonde pegar – finalizou Lírio.
Cansado da disputa do BBB, Henrique convida os amigos a um brinde:
- Viva a banha, a barriga e a bunda. Viva a mulher em todos os seus sentidos, principalmente as companheiras do dia – a – dia.
- Viva – respondem os outros em coro.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Falecida

Domingo, às sete horas, telefone toca. Maurício e Lúcia assustam-se com a notícia. Tia Mariquinha falecera essa madrugada, vítima de infarto fulminante. Uma lástima para a família de Maurício. A tia era a primogênita de oito irmãos paternos. Já de idade avançada, não tivera marido ou filhos, fora sempre uma pessoa humilde e elo de união da família. Viera da Itália, ainda criança, com seus pais.
- Lú, nós vamos para o velório – decidiu Maurício, ainda pasmado com a ligação.
- Imagina, Maumau. Sua tia morreu no interior do Paraná, num pobre vilarejo.
- Lúcia, eu vou. Não adianta insistir, meu dever como sobrinho é estar ao lado dos meus familiares.
- Vá sozinho, eu fico com as crianças, aqui em casa.
Após resolver o impasse, Maurício partiu de avião ao Paraná, para o vilarejo do Bartimeu. Durante três horas de avião, mais duas horas de ônibus, Maumau chegou ao destino, à pacata cidadela. Um silêncio sepulcral cobria a Vila do Bartimeu. Olhou para os lados, a trinta metros do ponto estava o velório, anexo do cemitério.
“Que estranho”, pensou “onde estão meus parentes”? Aproximou-se e lá estava tia Mariquinha, doçura de alma, gélida e pálida; sozinha, sem parente algum. Sentado num banco na entrada, aguardava pacientemente o coveiro, Seo Sebastião.
- Boa tarde. Onde estão meus parentes? – indagou inconformado Maurício.
- Não sei não. Só veio o senhor mesmo – respondeu o coveiro com tranqüilidade - Doutor Oswaldo, o administrador do cemitério, quer falar com o senhor.
Ao lado do velório havia uma pequena sala, no interior estava sentado Doutor Oswaldo, esperando a chegada dos parentes da defunta.
- O senhor é parente da dona Mariquinha? – perguntou.
- Sim. É minha tia.
- É o seguinte, meu jovem, a taxa do velório, do enterro e do coveiro é de três mil reais. Se for vala comum, gaveta pública, você entende? Se for jazigo, o preço é de cinco mil reais.
- Três mil reais! Minha tia não tinha jazigo?
- Não.
- Tem algum banco na cidade?
- Tem sim, me acompanhe.
Após ter acertado a dívida, Maurício velou a tia até por volta das cinco horas. Seo Sebastião preparou o cortejo. Quando descia a defunta, Maumau chorava amargamente as despesas daquele dia. Durante alguns anos, ele deixou de freqüentar a casa dos parentes. Para ele, parente e custo são sinônimos.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Depressão - 2ª Parte

Sete horas, o despertador corta o silêncio do quarto. Roberto acorda assustado. Sua noite fora interrompida diversas vezes por um sonho estranho. Pensara na morte, na lembrança de sua esposa, dos anos de juventude, de uma antiga companheira da época do Jornal, Lúcia Maria, jornalista determinada que lutara pelos direitos da mulher em plena ditadura militar.
Meio cambaleando, Roberto encaminha-se à velha poltrona. Decorrido alguns minutos, a campainha toca. "Quem será? Há uma década que não recebo visita?", pensou.
Ao abrir aquela porta, seu coração dispara. "Será possível, depois de tantos anos?"
- Olá, Beto. Posso entrar?
- Fique à vontade, Lúcia. Sua casa, minha felicidade - brincou Roberto.
Com o sorriso em face, a velha companheira do Jornal entrou no apartamento. Olhou ao redor, alguns livros espalhados pelo chão, um estante apilhada de clássicos literários, uma escrivaninha de carvalho e a poltrona vermelha decoravam o ambiente.
- Como tem passado, meu velho amigo? - pergunta Lúcia.
- Solitário, com algumas poucas folhas e um dedo de prosa.
- Casou novamente?
- Não.
- E o pessoal do Jornal tem visto?
- Só o Manduca, durante os finais de semana na praça do quartel. Aliás, você, como tem passado? E o seu filho?
- Meu filhho está no Exército, há tempos não o vejo. Minha vida é uma página envelhecida pelo tempo, da qual o leitor nem se lembra dos fatos.
- Que trágica, Lúcia. Quando precisar de um amigo saiba que estou e que sempre estive por aqui.
- Obrigada, ainda nos veremos muito.
Depois dessa prosa amiga, Roberto e Lúcia se encontraram outras vezes, os laços do passado foram se estreitando até que juntos ficaram os anos da velhice. O amor não escolhe idade ou mesmo não se abala pelos anos, sempre se fortalece com os gestos de carinho e de afeto.

sábado, 23 de julho de 2011

Depressão

“Que manhã estranha! Será que estou acordado ou afundado em meio ao sonho?” pensou.
Após alguns minutos de pensamentos turvos, levantou-se e fora ao banheiro para se lavar. Olhou atentamente para aquele rosto, envelhecido pelo tempo, em que o espelho, um pouco embaçado pela poeira, revelava um senhor de cinqüenta anos. “Ah, como era bom meus anos de juventude”, pensou Roberto. Em sua juventude, ele aproveitara intensamente, casou após os trinta e sua esposa falecera num acidente depois de três meses. Não tivera filhos. Só tivera amargura e desgosto após a triste tragédia. Jornalista desempregado vivia de algumas pequenas escritas.
Caminhou até a janela do quarto, olhou para rua, pouco movimentada naquele dia. As nuvens passeavam ao longo, enquanto o sol tardava para aparecer, estava nublado. “Que dia, hein, São Pedro?” Invocar nomes de santos nunca fora seu forte, pois era ateu. Tivera uma educação cristã, mas com os eventos da vida, abandonara sua fé. Fora até a escrivaninha, sentou-se sobre a velha poltrona vermelha e começou a escrever sobre algumas poucas folhas de papel. O tempo voava, Roberto deixou-se mergulhar no turbilhão de idéias. Após horas a fio, voltou à cama para repousar. Seus escritos perderam-se durante a mudança, sua vida esvaiu-se naquele apartamento.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Convênio ou SUS?

Convênio ou SUS? Uma dúvida persistente por parte da população. Com o aumento do poder aquisitivo, a melhora no mercado econômico, além das oportunidades e garantias do emprego, uma parcela da sociedade brasileira tem optado pelo convênio em vez do SUS. As operadoras de serviços de saúde têm oferecidos alguns benefícios como hospedagem em hospitais de renome e exames de várias especialidades inclusos no contrato. Em contrapartida, atualmente, os benefícios tardam para se realizar, pois existe uma superlotação de consultórios a semelhança dos postos de saúde, em que o profissional é sobrecarregado de atendimento, com possibilidade de encaixes e sem pagamento de horas extras. O médico ao atender por um convênio qualquer recebe em média quinze reais por consulta, enquanto uma consulta particular custa em média cento e cinqüenta reais.
Outra dificuldade presente, nos convênios, é o tempo de espera para agendar uma consulta, a falta de secretárias para o atendimento, o atraso de médicos e a insatisfação dos clientes. Assim, alguns empecilhos travam o atendimento do convênio, enfocados somente no mercado. Tanto o convênio ou mesmo o SUS, quem sofre pacientemente em busca de tratamento é o povo.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Fogo na cozinha

- Benhê, não faz assim – diz Marisa.
- Calmo, meu anjo, só um pouquinho. Já está quase pronto – responde Adalberto.
- Assim não, morzinho, está me deixando arrepiada.
- Estou quase no fim.
- Dal, você termina hoje ou não? Tem a novela das oito ainda.
- Minha flor, a novela você assiste no vale a pena ver de novo.
- Você está sentindo, Dal.
- Não.
- Já acabou, morzinho? Tem alguma coisa queimando.
- Imagina. Deve ser fora do prédio.
- Não. Tem alguma coisa queimando aqui no apartamento.
- Meu anjo, talvez seja só uma impressão.
- Adalberto, tem certeza?
- Ai meu Deus, esqueci.
- Esqueceu o quê?
- Na cozinha, antes de você chegar do serviço, eu estava preparando uma lasanha de surpresa – responde Adalberto
- Lasanha?
A partir daquele momento, Marisa proibiu expressamente do esposo cozinhar.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Bilhete premiado

Não dava para acreditar. Finalmente conseguiu uma proeza, Salomão, um pobre pedreiro, recebeu uma ligação do Caixa Econômica. Após dois anos, ele vinha investindo certo capital, uma miséria para alguns, na capitalização do Caixa Econômica. Fora sorteado. Como bom vizinho na Vila da Cruz, bairro humilde, chamara os amigos para um churrasco no final de semana, comprara geladeira nova para a patroa e estava decidido a quitar as parcelas de sua casa. Maravilha, sempre concorrera em alguns concursos “chinfrins”, contudo, dessa vez, a sorte estava com ele.
Salomão andava pelas ruas, enquanto o pessoal do bairro cumprimentava-lhe:
- Parabéns Salo. O churras é domingo, né?
- Sim, espero vocês lá – dizia o sortudo.
No trabalho, um canteiro de obras no centro, os colegas de Salomão questionavam:
- Salo, conta pra gente, como foi que você teve a sorte grande?
- Ah, a sorte não escolhe hora, nem pessoa – respondia humildemente.
Ao amanhecer daquele dia, uma sexta-feira, Salomão acordou como de costume às seis da manhã. Tomou o café preto de desjejum e saiu para uma agência no centro. Depois da pequena maratona de uma hora preso em dois ônibus, ele chegou à Caixa Econômica. Cerca de quinze pessoas aguardavam a abertura do banco.
Nove horas badalava o sino da igreja. O guarda abria as portas do banco. Dentro de trinta minutos, Salomão recebia da atendente um envelope lacrado, após isso, ele saiu apressadamente. A dúvida percorreu o sortudo, “será que havia dinheiro no envelope?” ou “são apenas instruções?”.
Salo abriu o envelope e leu a carta de comemoração, parabenizando-lhe sobre a premiação com um ticket feijoada devido à abertura da agência Caixa Econômica de nº 500. Salomão, apesar de rico em sonhos, sentou no meu fio e chorou amargamente as despesas para o final de semana.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Legalização ou não da maconha

“Acende, puxa, prende e passa, índio quer cachimbo, um quer fazer fumaça...” Num primeiro momento, esse trecho da música Cachimbo da paz de Gabriel Pensador, pode ser sugestivo ou uma apologia ao uso da maconha como algumas autoridades sustentam seus discursos. A cannabis sativa, a planta que é fumada por diversos grupos sociais, principalmente entre os jovens, ganha espaço nas discussões do Congresso e nas repercussões da mídia. Até o Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil, apóia a descriminalização e o uso regulamentado da maconha, além de outras medidas. A Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, composta por diversas autoridades argumenta que a criminalização por si não diminui a demanda, mas implica a geração de novos problemas, com possibilidade de extorsão de usuários e corrupção pela polícia. Basta recordar o peso da discriminação para com o usuário dessa droga ou mesmo simpatizantes pela causa são alvos de censura e agressão, exemplo vivo durante uma passeata em São Paulo, onde os jovens foram silenciados e presos pela polícia. A maconha possui substâncias causadoras de dependência física, química e psicológica, por onde o usuário adquire sensações de calma, relaxamento, angústia, incapacidade de se orientar no tempo/espaço, perda da memória, alucinações, problemas respiratórios, câncer, além de outros agravantes sociais, diminuição das atividades profissionais, agitação psicomotora, aumento da ansiedade e irritabilidade, prejuízo a concentração durante atividades como dirigir um carro, por exemplo. Outro caso atrelado ao uso de maconha é o narcotráfico, onde há uma movimentação legitimando o consumo desenfreado, inserido numa teia de relações de poder entre cartéis do crime organizado. A discussão da regulamentação ganha corpo e voz, em que a inserção da maconha no meio social traz consigo a modificação dos estratos da sociedade como educação, saúde pública e segurança. Logo, enquanto não há uma legalização efetiva sobre o consumo da droga, a atenção primordial é voltada sobre o jovem, principal afetado na sociedade de consumo, onde o proibido ainda desperta fantasias e alimenta o comércio discriminado da cannabis entre os fornecedores. Como diz o trecho seguinte extraído da tese de doutoramento, Nobres e anjos – um estudo sobre tóxicos e hierarquia de Gilberto Velho: “Usar maconha é uma atividade aceita e definida como normal. Mas o seu uso intenso, cotidiano, incomoda e pode aparecer como desvio. Neste caso se exerce um controle social dentro do grupo capaz de identificar desviantes, manipulando categorias da cultura dominante como ‘louco’, ‘doente’ e até ‘viciado’.”

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Paixão pela Fiel

O sino tocava, enquanto um senhor se aproximava da matriz. Seus trajes, um velho hábito cinza surrado pelo tempo dava- lhe dignidade e respeito entre os transeuntes. A cidade conhecia aquele padre, das antigas, onde missa era celebrada em latim e de costas para a assembléia, além de outros ritos católicos. Seu nome trazia a marca de um mártir romano atrelado ao título de monsenhor. Sim, Monsenhor Jorge, padre da matriz Imaculada Conceição Aparecida.
Naquela manhã, de domingo, um clássico prometia um grande espetáculo. Dois times de grande renome nacional se enfrentariam no estádio do Paquembú em São Paulo. Corinthians versus Palmeiras. Monsenhor Jorge, fiel em Cristo, nutria outra paixão, mais profana, ao time do Corinthians.
A missa, às três horas, deveria ser celebrada com toda a reverência e fé. Monsenhor Jorge inicia o santo ofício:
- Sejam todos bem-vindos, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
- Amém – responde o povo.
Durante as leituras, a primeira ambientada no Antigo Testamento, com a figura de Moisés encaminhando o povo no deserto após a libertação do jugo dos egípcios, enquanto a resposta do salmo, seguida pela segunda leitura, com apóstolo Paulo em suas cartas. O evangelho, de São João, mostrando as tentações durante a missão de Cristo. A homilia, convidando o povo a observar a fé diante as provações. À medida que se aproximava o fim da missa, Monsenhor escutava ao longe fogos, anunciando a decisão.
Quando Monsenhor, já nos anúncios da comunidade, iniciou a benção final:
- O senhor esteja convosco.
- Ele está no meio de nós – responde o povo.
- Por intercessão de São Jorge, mártir de Cristo, abençoe a todos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
- Amém.
O povo ao retornarem para suas casas estranhou a mudança da bênção, pois Monsenhor sempre invocava a Imaculada Conceição, mas aquele domingo o padre apelava da “ajudinha” de São Jorge para a vitória do Corinthians. Quando terminado o espetáculo, com resultado de 2 a 1 para a fiel, Monsenhor acendeu uma vela ao valente mártir, agradecendo a graça alcançada.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Gestação


- Júlio, Júlio...
Marina insistia para que o marido acordasse. Em compensação, ele dormia num sono profundo. Marina e Júlio estavam casados há cerca de dois anos. Ambos desejavam ter filhos, mas como o esposo viaja muito, ela resolveu adiar o evento. Quando, em meados de setembro, no aniversário da sogra (dona Osvalina, mãe de Júlio), Marina revelou estar esperando um bebê. O futuro pai, empenhado em compras e cuidados para com a sua esposa, esqueceu do escolher um nome para a criança.
- Júlio, meu anjo, acorde, está nascendo...
- Nascendo?! Há essa hora? – ele, meio abobado pelo sono, sentou na beirada da cama, sentiu algo molhado – O que é isso?
- A bolsa que estourou, vamos benzinho; que dor – Marina sentia as contrações cada vez mais fortes.
Numa euforia, Júlio atravessou o quarto com Marina ao lado, pegou as chaves do carro e ambos partiram para o Hospital Santa Felicidade. “Não dava para acreditar, como passara rápida aquela gestação. Nossa, dentro de algumas horas, vou ser papai”, pensou Júlio.
Na entrada, duas técnicas de enfermagem auxiliaram Marina, enquanto seguiam para a maternidade. O médico plantonista examinou a gestante. “Sim, tinha chegado a hora. Mais um ser humano a povoar a terra, mais um consumista, mais um... Que nome?! Nossa qual o nome da criança mesmo?” pensou Júlio.
Já na sala de parto, o esposo desesperado e indignado por ter se esquecido de escolher um nome, ouviu um choro estridente. Sua filha nasceu. O médico, vindo em sua direção para cumprimentá-lo, disse:
- Parabéns papai, então, qual o nome?
Após alguns minutos, extasiado pelo choro, de volta a realidade, Júlio responde rapidamente:
- Amélia.
- Amélia?! – estranhou o doutor.
- Sim, é homenagem para a avó de Marina.

Quando cresceu, Amélia que era mulher de verdade...

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Regra três


À tarde, quando o sol já no poente, chegava ele do serviço. Júlio era um pobre mecânico, mas um bom rapaz. Algumas vezes, na vida de casado, cometera alguns deslizes nas pequenas coisas. Marina, uma jovem bela, simpática e amiga, tudo suportara nesses três anos de casado. Fora uma boa ouvinte, porém o tempo desgasta as relações.
Por volta de agosto, Júlio abusou da regra três, onde menos vale mais; aprontou tantas, ofendera Marina na frente de seus parentes durante um churrasco; começara a beber com os amigos e estava ausente em diversas ocasiões do casal. A audácia do rapaz era tanta que esqueceu plenamente do aniversário de casamento. Marina, poço de doçura e perdão, da primeira vez, resolveu ficar, pois houve vários momentos felizes que deixaram raízes na relação do casal. Após uma semana, Júlio não compreendera que o perdão também cansa de perdoar.
Quando a noite chegou da farra, ele percebeu que a casa caiu, Marina deixara um bilhete. Terminou. Ela não suportava mais as extravagâncias de Júlio. O que acontecerá com o bom rapaz? Júlio, com a lâmpada acesa da sala, desatou a chorar ao ler tamanha punhalada. Resolveu ter uma bebida por perto para amenizar o sofrimento, perdera a única razão de seu viver. Marina se foi, adeus, perdeu a esperança. Assim, o jovem rapaz abusou da regra três onde menos vale mais...

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Lotação


Lá vinha ele, cambaleando, meio sambista, meio puritano, Afrânio Souza, filósofo e contador de histórias. Trabalhava em repartição pública, nas horas vagas proseava com os amigos e as donzelas de rua. Bebia razoavelmente bem, o seu néctar era um bom vinho com alguns petiscos.
Nessa quarta feira, Afrânio fora encontrar um velho amigo de mocidade na rodoviária. O ônibus despontou no desembarque e lá estava Cruz de Malta Siqueira. Afrânio ao rever o velho amigo, cumprimentou dizendo:
- Cruz, quanto tempo, hein. Fez uma boa viagem? Como está a patroa e os bambinos? E sua cidade, Serra de Taboão?
- Compadre Afrânio, a viagem fora uma delícia, sacolejar de cá pra lá. Os meus estão bem, só minha tia, Dona Inocência, tem sofrido de gota, os ossos já não suportam o peso da idade. Minha cidade está na mesma serra, tranqüila e serena. – respondeu com ironia Cruz de Malta.
- Fico grato da visita, meu compadre. Vamos, a lotação nos espera – disse Afrânio
Lotação. Sim, foram os dois amigos para o terminal urbano. Cruz de Malta acostumado a andar a pé, ao adentrar naquele velho galpão, chamado de terminal, ficou assustado com o fluxo frenético do local. Pessoas, de lá para cá, passavam rapidamente, se esbarrando, conversando, enfim, utilizando o transporte público.
- Vamos Cruz. Vejo que está assustado? O terminal está vazio, hoje é quinta, mas segunda feira não condições de andar sossegado – disse Afrânio.
- Certamente, amigo – respondeu. Cruz de Malta imaginou uma segunda feira e aquele prédio lotado de pessoas, sem tranqüilidade.
Eles entraram no ônibus, linha Santa Helena. Mal se acomodaram num ferro, pois todos os assentos estavam ocupados, o ônibus deu uma guinada e partiu disparado para o destino. Pareciam surfistas do asfalto, a cada lombada os dois eram arremessados contra o teto.
Quando desceram no ponto. Cruz de Malta exclamou:
- Para que serve o transporte público?! É um teste de sobrevivência, com direito a altas aventuras a cada caminho.
- Um dia você ainda acostuma à selva de pedra e suas rotinas. – respondeu Afrânio.
À noite, os dois amigos ainda conversavam sobre lembranças de sua mocidade.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Enfermagem

No século XIX, uma mulher, inconformada com as condições existentes perante ao doentes, lutou por melhorias no tratamento para com o humano sofredor. Florence Nightingale tornou-se modelo do segmento da enfermagem ao introduzir uma assistência de cuidados com os soldados durante a Guerra da Criméia.
Hoje, a ciência do cuidado envolve o ser humano em suas dimensões pessoais e sociais, de modo a prevenir, promover e recuperar a saúde. Diante, a fragilidade na arte do cuidar, revela a força e esperança de melhora para com cada pessoa. Parabéns a todos enfermeiros (as), técnicos(as) e auxiliares de enfermagem, que o ideal de Florence se perpetue nos corações dos anjos guerreiros da saúde.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Tristeza e fim


Os olhos estavam pesados, mal conseguia abri-los. Seu corpo permanecia imóvel, um sentimento estranho passou pela mente. Tentava com grande esforço levantar-se, porém nada acontecia. Um calafrio pela espinha. Olhou ao redor e pode ver pessoas de sua infância, conhecidos de sua família, estavam todos, chorosos, ao redor de si. Tentou lhes falar, nenhum resposta. O grito sufocado na garganta, a agonia e o desespero tomaram conta de Vinicius. Ao longe, um sino tocava lentamente. Um padre apareceu no local, será possível? Estou doente? Ao fechar novamente os olhos, jamais os abriu... O sino se silenciou no gramada da Ressurreição.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Zé Malandro e seus causos


Lá pelas bandas da Rua do Torto, vinha perambulando um velho moço, Zé Malandro. Malandro, como era conhecido pelas redondezas, aparentava seus 40 anos, pele morena, cabelos castanhos e olhos cor de mel. Sua vida, regada a boêmia e as necessidades da carne, fazia desta figura um “bom rapaz”, sempre alegre e dado as amizades. Alguns o consideravam filósofo de bar e poeta dos cantos.
- Alvorada lá no moro que beleza... – cantarolava Malandro.
- Lá vem o poeta e suas canções – afirmou João, o guarda.
Ao redor, numa mesa de bar, estava reunida a comitiva. Dentre as figuras ilustres, João, o guarda, Zezé Moleza, Ademar Trombeta e Carlos, o poeta. Estes boêmios de velha guarda sempre se reuniam as sextas no bar do Tico, seja para uma roda de samba e chorinho ou para discutir assuntos de política, futebol e as deusas que pernoitavam ao redor.
- João, como está a vossa senhoria? – perguntou Malandro ao se aproximar da mesa.
- Malandro, a que devo a honra de sua presença entre pobres mortais? Estou de vento e polpa, agora feliz com sua companhia – respondeu o Guarda, com certa ironia.
- Carlos, em toda sua poesia, você pode me dizer qual a mais bela flor de encanto e doçura existente no mundo? – indagou Malandro.
- Certamente, uma pergunta de extrema reflexão, poesia ou não, creio que tia Mariquinha, com seus bolinhos de bacalhau têm a maioria dos votos da nossa comitiva – respondeu o Poeta.
- Amém! – confirmaram Ademar e Zezé.
Alvorada já presente, a comitiva de amigos estendia suas reflexões entre garrafas de cerveja e alguns petiscos a beira rio, mas o bolinho de bacalhau de tia Mariquinha ainda prometia uma nova prosa.