sábado, 10 de setembro de 2011

Bonecos falantes

Lá vinha ele, Elias Rocha ou Elias “dos bonecos”, cavalgando como um cavaleiro sobre sua carroça, curvado pelo tempo e pela idade. Sempre perambulava a orla do rio Piracicaba, à procura de restos de madeira, garrafas plásticas e materiais para suas criações. Jeito humilde e de família simples, Elias vivia em meio à modernidade local da Rua do Porto.
Em meados de junho, na antiga Freguesia de Santo Antonio de Piracicaba, à margem esquerda do rio, a Festa do Divino animava os moradores locais com congada, cururu e barraquinhas.  Elias fora convocado pela Irmandade do Divino para uma missão especial; o capelão da festa, Monsenhor Jorge, pediu para o bonequeiro uma encomenda especial:
- Elias, a Santa Madre Igreja, considerando suas criações e belezas com que encanta o rio Piracicaba, pede que vossa senhoria embeleze a festa do divino com alguns de seus bonecos. – disse Monsenhor.
Impossibilitado por uma doença nas cordas vocais, Elias concordou com um manejo de cabeça. Lá foi Elias, ajudando o rio e reaproveitando o lixo existente no local.
Os preparativos para o Divino Espírito ganhavam corpo, os moradores da Rua do Porto contribuíam com doações, o barracão já enfeitado para o Tríduo, o palco do cururu posto em frente à capela e o barco ancorado na rampa. Com isso, Elias trabalhava em cinco bonecos, guardiões do Divino, com tanta destreza e paixão, próprios do artista.
No último dia do Tríduo, celebrado na pequena capela, o bonequeiro terminou suas criações. A entrega da encomenda ao capelão seria na manhã seguinte, no sábado. Exausto pelo trabalho, Elias fora dormir.
Na manhã seguinte, quando acordou, o bonequeiro se deparou com um falatório em seu quintal. Mas quem poderia ser? Só os bonecos do Divino estavam presentes. Isso era impossível. Assustado, Elias olhou pelo buraco da porta da cozinha, com grande espanto percebeu que os bonecos estavam sentados, conversando. “Estou ficando louco”, pensou Elias.
Intrigado, Elias saiu à procura de ajuda, pois precisava entregar a encomenda falante! Seu Bartolomeu, o vizinho de Elias, estava sentado à porta fumando cachimbo de corda.
- Bom dia, Elias. Porque tá assustado homem?
Elias, com gestos, tentou explicar para Seu Bartolomeu. Após um tremendo esforço, desistiu. Bartolomeu, vendo a agonia de Elias, decidiu acompanhar o bonequeiro até a casa. Elias, ao entrar, sentiu um silêncio profundo, espiou pelo buraco da porta da cozinha. Os bonecos do Divino permaneciam em pé, onde no dia anterior havia deixado. Será que foi um sonho ou obra do Espírito Santo?
Naquele ano, a festa comoveu a todos os participantes, mas Elias permaneceu reflexivo, pois não é todo dia que seus bonecos falam. Assim, Elias continuou a embelezar as margens do Piracicaba com seus guardiões pescadores.

2 comentários:

  1. Legal, primo e vc era vizinho dele. Vou mandar seu texto para o Carlos ABC.
    abç
    Camilo

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  2. Belo texto, leitura bastante atraente, um grande abraço.

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