quinta-feira, 19 de maio de 2011

Lotação


Lá vinha ele, cambaleando, meio sambista, meio puritano, Afrânio Souza, filósofo e contador de histórias. Trabalhava em repartição pública, nas horas vagas proseava com os amigos e as donzelas de rua. Bebia razoavelmente bem, o seu néctar era um bom vinho com alguns petiscos.
Nessa quarta feira, Afrânio fora encontrar um velho amigo de mocidade na rodoviária. O ônibus despontou no desembarque e lá estava Cruz de Malta Siqueira. Afrânio ao rever o velho amigo, cumprimentou dizendo:
- Cruz, quanto tempo, hein. Fez uma boa viagem? Como está a patroa e os bambinos? E sua cidade, Serra de Taboão?
- Compadre Afrânio, a viagem fora uma delícia, sacolejar de cá pra lá. Os meus estão bem, só minha tia, Dona Inocência, tem sofrido de gota, os ossos já não suportam o peso da idade. Minha cidade está na mesma serra, tranqüila e serena. – respondeu com ironia Cruz de Malta.
- Fico grato da visita, meu compadre. Vamos, a lotação nos espera – disse Afrânio
Lotação. Sim, foram os dois amigos para o terminal urbano. Cruz de Malta acostumado a andar a pé, ao adentrar naquele velho galpão, chamado de terminal, ficou assustado com o fluxo frenético do local. Pessoas, de lá para cá, passavam rapidamente, se esbarrando, conversando, enfim, utilizando o transporte público.
- Vamos Cruz. Vejo que está assustado? O terminal está vazio, hoje é quinta, mas segunda feira não condições de andar sossegado – disse Afrânio.
- Certamente, amigo – respondeu. Cruz de Malta imaginou uma segunda feira e aquele prédio lotado de pessoas, sem tranqüilidade.
Eles entraram no ônibus, linha Santa Helena. Mal se acomodaram num ferro, pois todos os assentos estavam ocupados, o ônibus deu uma guinada e partiu disparado para o destino. Pareciam surfistas do asfalto, a cada lombada os dois eram arremessados contra o teto.
Quando desceram no ponto. Cruz de Malta exclamou:
- Para que serve o transporte público?! É um teste de sobrevivência, com direito a altas aventuras a cada caminho.
- Um dia você ainda acostuma à selva de pedra e suas rotinas. – respondeu Afrânio.
À noite, os dois amigos ainda conversavam sobre lembranças de sua mocidade.

Um comentário:

  1. Primo, saudações literárias e urbanas. Está muito bom e contextualizado aqui em Pira. O transporte público uma vergonha, não adianta só obra viárias sem veículos dignos. Gostei muito do seu texto, fluido, leve, sem sacolejar nas lombadas,nem nos derrubar nas virgulas. Mande para o jornal, já mandou?

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